Condomínios podem virar empresas
Como se sabe, recentemente o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL 3461/2019), que agora seguirá para apreciação da Câmara dos Deputados. A proposta prevê a possibilidade de condomínios (verticais ou horizontais) obterem personalidade jurídica de direito privado.
Segundo o proponente, tal projeto de lei decorre das necessidades econômicas e sociais atuais, argumentando que a partir do registro de sua instituição, o condomínio já adquire obrigações legais.
Foi incluída, ainda, uma emenda para garantir que os valores cobrados para inscrição do condomínio no Registro Civil de Pessoas Jurídicas sejam fixados de modo a não impedir o procedimento pelos que não tenham condições.
O relator, senador Mecias de Jesus, defendeu a atualização da lei sobre o assunto, com vistas à segurança jurídica, bem como por passarem a atuar com mais liberdade na defesa e cumprimento de seus interesses sociais. Segundo o parlamentar, a proposição visa sanar lacuna legislativa, atribuindo personalidade jurídica ao condomínio edilício, considerando que não há previsão legal no atual Código Civil. Ainda de acordo com o senador, se aprovada a proposta, o condomínio passa ser uma pessoa jurídica.
A proposição altera também a Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015, de 1975), para determinar a possibilidade de registro do ato, da convenção do condomínio e da ata com a decisão pela constituição da pessoa jurídica no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
Pelo texto do projeto de lei, a transformação em pessoa jurídica ocorrerá quando o condomínio registrar no cartório competente o documento da criação, a convenção e a ata da decisão pela constituição da pessoa jurídica, com o voto favorável dos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais.
Oportuno esclarecer que a ideia não é pioneira. Em 2007, o deputado Ricardo Izar, através do Projeto 874/07, defendia aos condomínios o direito de arrematar, adjudicar ou receber a título de dação em pagamento unidades imobiliárias do próprio edifício ou outro bem imóvel qualquer.
Izar, à época, lembrava que já era comum o condomínio adjudicar unidades do próprio edifício em processos judiciais contra os proprietários com taxas de condomínio em atraso, embora não houvesse na lei autorização expressa. Esclarecia, ainda, que os cartórios, no entanto, negavam o registro de imóvel adquirido nessas condições pelo condomínio, porque este não tem personalidade jurídica, como as pessoas físicas e as empresas.
Fato é que o tal Projeto foi arquivado em 2012 e atualmente se permanece enfrentando o mesmo problema.
Parece excessiva, talvez, a intenção de alterar o Código Civil, até porque está claro que a questão central abarcada pelo projeto é a de possibilitar aos condomínios a aquisição de bens imóveis, os incorporando à área comum ou à propriedade comum.
Vejam que, muito embora o projeto de lei ressalte as questões positivas decorrentes da eventual alteração, é muito importante alertar sobre os impactos dessa lei.
Não há dúvidas de que não há um enquadramento legal preciso no que se refere à personalidade jurídica dos condomínios, no entanto, a alteração abrupta do regime de enquadramento não traz apenas os bônus da “liberdade econômica”, mas também todos os deveres a que uma empresa se submete, como obrigações fiscais, tributárias, questões de contabilidade, entre outros.
Para que tais mudanças fossem realmente em benefício dos condomínios, mantendo o objetivo principal de sua instituição, outras alterações legislativas talvez fossem necessárias para que se suportasse a ideia original.
Com a aprovação da lei, a mudança brusca do modelo atual implicará fatalmente na admissão e eventual obrigação dos condomínios participarem de um rol de atividades totalmente desarmônicas com as que sua existência requerem efetivamente.
Conforme demonstrado acima, a aquisição de bens imóveis por condomínios já é assunto debatido há muito tempo. Alguns condomínios, inclusive, se valem da instituição de associação de proprietários para regularizar a incorporação imóveis pelos condomínios, criando estatuto para essa finalidade e seguindo um regramento específico.
Com efeito, a evolução social e o interesse econômico trouxeram novas necessidades, que justificam a necessidade de novos debates e o Direito precisa acompanhar tal evolução, mas a personificação jurídica do condomínio é lacunosa na lei e, embora não impeçam o Judiciário – quando provocado – a decidir sobre o tema, fato é que inúmeras vezes o Tabelião recusa-se a lavrar a formalidade pública, o que torna dificultoso todo o processo.
E, a despeito de toda discussão sobre o tema, é bem possível que o acréscimo de mecanismos na Lei de Registros Públicos talvez tornasse viável a aquisição e registro de bens imóveis pelos condomínios sem que necessariamente sua especial condição sui generis precise ser alterada.
Algumas decisões já têm admitido a personalidade jurídica do condomínio para adjudicar o imóvel em leilão e obter o registro, é claro, mediante o cumprimento de algumas condições para enfim registrar a carta de adjudicação em seu nome.
Embora haja toda essa discussão e até mesmo decisões que pendem para essa atualização, é muito importante ter mais segurança para alterar o conceito da personificação dos condomínios, inclusive porque, pelo projeto apresentado, seria uma alteração opcional, o que pode gerar extrema insegurança.
Entendo que, através do registro imobiliário, é possível instrumentalizar a aquisição dos bens imóveis, em situações específicas, desburocratizando esse tipo de transação, sem que, entretanto, haja efetiva necessidade do Código Civil e da personalidade jurídica do condomínio.
Aliás, é sabido que cada cartório tem uma maneira peculiar de atuar, o que também dificulta o processo.
O que se vê, lendo as decisões na íntegra, é que a construção jurisprudencial abre exceção à regra geral inibitória da aquisição de bens imóveis por condomínio, mas exige o cumprimento de algumas condições, como que a aquisição seja modo de satisfação de crédito decorrente do inadimplemento das despesas condominiais (obrigações propter rem); que a unidade autônoma adquirida seja exatamente aquela em relação à qual está vinculado o débito condominial; que a aquisição esteja anuída pelos condôminos, mediante decisão unânime de assembleia geral;
É possível, portanto, reduzir a controvérsia e a burocracia sem que haja efetiva necessidade de alterar a personalidade jurídica dos condomínios, e sem também que seja necessário provocar o Judiciário para alcançar algumas providências dos cartórios de registros.
O foco da preocupação deve ser não causar mais estragos do que benefícios. Então, manter as situações especiais em que o condomínio pode adquirir bens imóveis e, somando-se a isso, a tentativa de desburocratizar a transação juto aos cartórios, talvez seja um caminho possível, mas fato é que tal discussão precisa ser mais aprofundada, contando com especialistas de todas as áreas que envolvem a gestão condominial. Assim, será possível promover alterações efetivas, sem conclusões simplistas sobre os impactos da lei em questão.
*José Roberto Graiche é advogado especializado em Direito Imobiliário e presidente do Grupo Graiche
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